Calçado: Produtividade, Inovação e Valor

27-10-2005 20:37

Vivemos tempos em que, no contexto económico e empresarial, os conceitos mais ouvidos pelos agentes económicos e pelos cidadãos em geral são, a inovação, a produtividade, a informação, o conhecimento, por outras palavras, a excelência. E falam-se destes conceitos essencialmente pelo facto de, na generalidade das opiniões, mais ou menos comprovadas, estes estarem arredados da economia e do tecido empresarial português. 

 
Sendo certo que poderia focalizar esta análise em alguns outros sectores de actividade em Portugal, vou neste texto debruçar-me sobre o sector do calçado,  o qual atinge, no meu ponto de vista, os principais standards de qualidade ao nível dos conceitos acima referidos. Analisemos pois este sector à luz destes conceitos e reflictamos um pouco sobre estes dados.
 

Produtividade *

 
A taxa média do crescimento anual da produtividade deste sector foi de 2,6% no período compreendido entre 1980 e 1999. Em Portugal apenas os sectores do material de transporte ( com 4,3%) e o sector da madeira (com 2,7%), registaram no mesmo período, taxas de crescimento da produtividade superiores.
 
Quando em 1984 haviam 971 empresas nesta indústria, em 2003 estas eram já 1.350 ( cresceram 39%). As exportações em quantidade, evoluíram de 31 milhões de pares em 1984 para 89,6 milhões de pares em 2003 o que representou um crescimento de 189%. Enquanto que em 1984 cerca de 65% da produção era para exportação, esta percentagem passou para 86,7% em 2003. Já o emprego passou de 30.850 empregados em 1984 para 43.860 em 2004 ( crescimento de 42%). Produziam-se 48 milhões de pares de calçado em 1984 tendo este número atingido os 86 milhões em 2004 ( a produção cresceu neste período 79%). 
 
Em valor, as exportações portuguesas rondavam os 200 milhões de Euros em 1984, tendo atingido o valor de 1,3 mil milhões de Euros em 2004. Refira-se que no ano anterior, estas haviam atingido os 1,4 mil milhões de Euros, colocando o país na 3ª posição do ranking dos exportadores europeus ( a seguir à Itália e à Espanha) e na 9ª posição do ranking mundial, tendo este sector contribuído com uma quota de 5,35% do total das exportações nacionais. 
Em termos macroeconómicos e no contexto da UE, a indústria portuguesa de calçado representou em 2003 cerca de 20% do emprego deste sector, 10% das exportações, cerca de 1,6% das importações e 10,8% do número de empresas existentes na União Europeia.
 

Inovação

 
Ainda que na opinião de alguns empresários do ramo, o país não esteja a dar a devida atenção ao sector do calçado, uma vez que se estará a “perder o espírito do calçado” não sendo já para muitos um sector considerado prioritário para Portugal, há contudo que continuar a apostar na qualidade da produção 
nacional e na diferenciação. No entanto e numa perspectiva europeia ( contrariando o já habitual atavismo mental nacional), este é um sector de excelência e de inovação, com provas dadas ao nível do que melhor se faz no mundo. Tendo em consideração o peso que esta indústria apresenta quer na economia portuguesa quer no contexto europeu e mundial, não é de estranhar o nível de investimento em novas tecnologias que este sector veio a concretizar ao longo dos últimos anos, razão pela qual podemos afirmar que estamos perante um sector utilizador de tecnologia de ponta. A imagem do país tem-se caracterizado pela proliferação de micro e pequenas empresas com reduzidos recursos cuja estratégia se tem resumido a fornecer os clientes estrangeiros através da subcontratação. Parecendo negativo este posicionamento, dele resultou no entanto uma significativa ( e referenciada) capacidade de resposta a encomendas de pequenas series de produtos, em prazos muito curtos, denunciando uma excelente capacidade de adaptação e inovação. Falta contudo ainda um salto qualitativo para a produção de artigos de reconhecida qualidade de topo o que só se conseguirá concretizar com novos investimentos em design e com a criação de uma marca nacional forte e distinta. Importa no entanto referir que existem já em Portugal empresas que incorporam estes conceitos, através da criação e promoção de marcas próprias, do desenvolvimento de designs modernos e da melhoria da qualidade dos produtos fabricados.
 
Portugal tem acompanhado as tendências mundiais e investido em novas tecnologias ao longo da cadeia de valor. Assim, as empresas portuguesas de maior dimensão e notoriedade internacional, têm-se dedicado à investigação de novos materiais para incorporar nos diversos tipos de calçado, consoante o segmento e tipologia da sua especialidade e investido na criação de moldes para novos modelos, adoptando as técnicas de CAD/CAM que permitem a criação e desenvolvimento de modelos a três dimensões de modo a combinar de forma mais eficiente os novos materiais. O corte automático por jacto de água ou a utilização de sistemas computacionais para reconhecer digitalmente as características dos materiais ou os seus defeitos, são outras técnicas já utilizadas por empresas portuguesas.
 
O calçado é um sector associado à moda e aos seus fenómenos, fazendo parte do estilo de vida das pessoas, uma vez que artigos como cintos, sapatos, luvas, malas e outros acessórios, são complementares, combinam e são também indissociáveis de conceitos como modernidade, actualidade e bem vestir. O calçado é um elemento da maior relevância para quem pretende andar na moda, razão pela qual as empresas deste sector são participantes assíduas dos eventos de moda. Estas são as razões que fundamentam a contratação e a utilização de designers de moda ( especialistas no sector de têxtil e vestuário), pelo sector do calçado.
 

Criação de Valor

 
O valor global das exportações portuguesas no sector do calçado, o crescimento percentual do volume de emprego gerado ao longo dos últimos 20 anos e o peso das exportações do sector no total nacional, aliado ao grau de investigação e desenvolvimento em áreas tecnológicas verificado no seio de um conjunto significativo de empresas, tais como a concepção em CAD/CAM, o fabrico ( com cortes por jacto de água e marcações a tinta) ou a distribuição através de catálogos electrónicos, são provas do valor que este sector trouxe à industria nacional. 
 

O Futuro

 
É certo que a maioria das empresas do sector funcionam ainda em regime de subcontratação, fabricando os produtos exigidos pelos seus clientes internacionais e com a marca destes. Urge no entanto alargar a inovação tecnológica já existente a um número mais vasto de empresas nacionais, forçar a criação de marcas próprias, influenciar de forma determinante os canais de distribuição internacionais, melhorar as competências de gestão e de operação através de formação profissional e tecnológica da mão de obra empregue. Para o sucesso desta estratégia importa criar um novo paradigma de cooperação empresarial, equacionando a criação de agrupamentos ou consórcios de empresas, de forma a reforçar a capacidade individual para competir internacionalmente e criar parcerias mais fortes e dinâmicas com redes de fornecedores de matérias primas e clientes revendedores. Esta será também uma forma de minorar ou ultrapassar as dificuldades financeiras da maior parte das micro e pequenas empresas, deficitárias em capital e sem acesso aos financiamentos bancários, uma vez que a estes interessará financiar grupos e projectos empresariais mais consistentes. Por outras palavras, importa construir e implementar uma nova estratégia de marketing internacional, baseada em novos conceitos de design, marca, gestão e distribuição. 
 
* Dados da APICCAPS
 
Mário de Jesus
FRES – Fórum de Reflexão Económica e Social
 
Publicado:
 
 
 
Vida Económica, 1 set. 2005