Melhoria do sistema político nacional – Algumas propostas de alteração à atual lei eleitoral

21-03-2012 00:45

Enquadramento

A sociedade portuguesa tem vindo a demonstrar um descontentamento e um afastamento crescentes em relação ao sistema político, o que é comprovado pela generalizada indiferença dos cidadãos em relação aos candidatos a deputados e que se tem traduzido num preocupante aumento da abstenção.

Para esta situação muito tem contribuído:

  • As ligações entre a atividade política e a atividade empresarial, amplamente noticiadas pelos órgãos de comunicação social, registando-se não poucas vezes transvazes ética e moralmente discutíveis e por vezes de legalidade duvidosa;
  • A ausência de uma linha estratégica de longo prazo, independente dos prazos legislativos, que seja publicamente discutida, bem definida, divulgada e plenamente assumida pela classe política e pela sociedade civil;
  • As constantes mudanças verificadas nas políticas públicas, em resultado das frequentes alterações verificadas no quadro legislativo, muitas vezes escudadas em supostos fatores de natureza externa;
  • A falta de espírito de missão e de serviço público de alguns agentes políticos.

Torna-se por isto oportuno propor um conjunto de alterações de natureza legislativa e processual, com impacto quer na atual Lei Eleitoral para a Assembleia da República – Lei n.º 14/79, de 16 de maio –, quer na Constituição da República Portuguesa (CRP) sobre a qual decorrem, atualmente, os trabalhos preparatórios relativos à sua 8.ª Revisão.

Desta forma, o presente documento reflete as posições tomadas pelo FRES – Fórum de Reflexão Económica e Social e apresenta as propostas de alteração à atual Lei Eleitoral por este preconizadas.

Pretende-se que estas ideias esquemáticas sobre os atos eleitorais para a Assembleia da República possam suscitar um debate alargado e articulado com grupos de reflexão congéneres, associações cívicas, entidades e personalidades que de uma forma insistente vêm defendendo princípios e ações semelhantes, contribuindo, deste modo, para a melhoria do sistema político.

 

Atos eleitorais legislativos

  1. Obrigatoriedade de voto

Pela sua importância, responsabilidade e representatividade, propõe-se a obrigatoriedade de voto até aos 70 anos de idade, manifestando-se este sob a forma de voto efetivo ou em branco, sendo facultativo a partir dessa idade. Esta obrigatoriedade decorre também da abolição do voto em papel e da implementação do voto eletrónico, tal como proposto mais adiante neste documento.

 

  1. Cadeiras vazias

Quando no ato eleitoral, após implementada a obrigatoriedade de voto, o valor resultante da soma dos votos em branco iguale ou ultrapasse a percentagem de 50% do total de votos expressos, a distribuição partidária de deputados à Assembleia da República será efetuada na proporção de votos obtidos através do Método de Hondt, com observância do número mínimo de deputados constitucionalmente consagrado para aquele órgão de soberania, dando lugar a assentos parlamentares – «cadeiras vazias» – na proporção desses votos em branco, ou de número igual aos remanescentes, quando este resulte inferior, por força da referida garantia constitucional.

 

  1. Opção de ocupação das cadeiras vazias por candidatos da sociedade civil

A ocupação ou não das «cadeiras vazias» foi uma ideia fraturante no seio do FRES. Defensores e detratores da mesma esgrimiram até à exaustão os respetivos argumentos sem que se tivesse conseguido consensualizar uma posição. Assim, apresenta-se a parte substantiva das duas posições em confronto, deixando a sua discussão e aprofundamento para outras sedes. A primeira defende:

  • A manutenção na Assembleia da República, durante toda a legislatura, das «cadeiras vazias» encontradas após o sufrágio eleitoral, de acordo com o previsto no ponto b). Neste pressuposto, será igualmente mantida a proporcionalidade atribuída, segundo o Método de Hondt, aos partidos mais votados na ocupação dos restantes lugares disponíveis.

A segunda propõe:

  • A ocupação de 50% do número apurado de «cadeiras vazias» que darão lugar a «mandatos por preencher», a ser ocupados por representantes de organizações da sociedade civil que não configurem a forma de partido político. As organizações da sociedade civil candidatas à ocupação de metade das «cadeiras vazias» apresentarão à Assembleia da República, de quatro em quatro anos, no mês de janeiro, a candidatura dos seus representantes. As regras de propositura e de campanha eleitoral dessas organizações serão definidas por lei sendo o processo fiscalizado pela Comissão Nacional de Eleições (CNE). Essa fiscalização incidirá sobre os requisitos definidos na lei que definirá os critérios a cumprir pelas organizações da sociedade civil. A ocupação desses lugares resultará do voto efetuado no ato eleitoral pelos cidadãos eleitores nas organizações que se apresentaram a sufrágio e que gostariam de ver representadas na Assembleia da República. A afetação destes lugares a ocupar será repartida pelas organizações mais votadas, seguindo o Método de Hondt. Em caso de interrupção do ciclo eleitoral, é válido o último registo de candidatura apurado. O apuramento dos resultados será publicado pela CNE.  

As propostas inseridas nesta alínea têm subjacentes a alteração do texto constitucional, designadamente o art.º 151.º da nossa Lei Fundamental, bem como do art.º 21.º e seguintes da Lei Eleitoral para a Assembleia da República – Lei n.º 14/79, de 16 de maio –, no que se refere à competência para a apresentação de candidaturas ao ato eleitoral.

Uma vez que a concretização desta proposta implica a revisão de diversas normas constitucionais, designadamente as constantes do Capítulo I, do Título III, da CRP, bem como  as da Lei Eleitoral para a Assembleia da República, que regulam esta matéria, caberá ao legislador encontrar a melhor forma para que as propostas apresentadas possam ficar consagradas na ordem jurídica portuguesa.

 

  1. Voto eletrónico

O voto passará a realizar-se através de uma plataforma eletrónica com ligação à internet que garanta a segurança e a fiabilidade do processo. O voto em papel será restringido a situações extraordinárias, até ser totalmente abolido. O exercício do direito de voto a quem não disponha de condições para efetuá-lo eletronicamente será garantido pela respetiva junta de freguesia através de balcões digitais, com recurso a um boletim de voto eletrónico sensível ao toque, de modo a assegurar a total similitude com os atuais procedimentos manuais, não limitando a ninguém, por razões tecnológicas ou de literacia digital, o exercício da participação cívica eleitoral.

 

  1. Inelegibilidade

Serão inelegíveis para Assembleia da República:

  • Os cidadãos que desempenhem cargos ou funções de decisão em empresas ou outras instituições, que mantenham formal ou contratualmente negócios com o Estado.
  • Os cidadãos devedores ao Estado, às Finanças e à Segurança Social bem como aqueles que sejam sócios e/ou gerentes de entidades unipessoais ou coletivas com dívidas semelhantes.

No âmbito do art.º 5.º, alínea i), da Lei Eleitoral.

 

  1. Limitação de mandatos

Tendo em consideração que o desempenho de cargos políticos não deve ser assumido como uma profissão, mas sim como o cumprimento voluntário de uma missão cívica de duração limitada, não poderão candidatar‑se a um quarto mandato consecutivo para a Assembleia da República os cidadãos que tenham desempenhado funções de deputado por um período correspondente a três mandatos.

 

  1. Obrigatoriedade de residência no distrito/círculo eleitoral

Tendo em vista uma maior ligação entre os candidatos a deputados e os eleitores, estes devem possuir residência permanente há pelo menos quatro anos no círculo eleitoral pelo qual concorrem nas listas aceites pela Comissão Nacional de Eleições, ou seja, a um período equivalente a um mandato completo

A proposta inserida nesta alínea pressupõe a alteração do art.º 11.º da Lei Eleitoral.

 

  1. Prazos

Tendo em vista uma maior agilidade processual e operacionalidade, é aconselhável a redução dos prazos previstos na lei para dissolução da Assembleia da República, marcação de eleições e tomada de posse de novo Governo. Neste âmbito os processos das votações dos eleitores portugueses na Europa e no resto do Mundo ficarão integralmente a cargo das missões diplomáticas e consulares existentes.

 

      9. Redução do número de deputados

O número de deputados à Assembleia da República deverá ser reduzido, numa primeira fase, dos atuais 230 para 180; e numa segunda fase ficar consagrado um número máximo de 180 e um mínimo de 130.

Esta segunda fase implica a revisão do art.º 148.º da Constituição da República Portuguesa e a alteração do art.º 13.º  da Lei Eleitoral.

 

  1. Monitorização da atividade legislativa

A atividade legislativa compreenderá a sua monitorização direta pelos cidadãos, através da criação de um novo grau de participação cívica eleitoral de adesão facultativa; a monitorização da atividade legislativa será realizada continuamente pelos cidadãos inscritos numa plataforma digital, a disponibilizar no Portal do Cidadão, cabendo aos serviços administrativos da Assembleia da República a compilação dos dados relativos à atividade dos deputados, tais como a assiduidade, o número de propostas e iniciativas legislativas apresentadas individualmente e em conjunto, o número de participações em comissões, o número de intervenções em plenário, etc. O deputado apresentará ainda anualmente um relatório de prestação de contas e de autoavaliação no qual dará conta da atividade desenvolvida no ano transato. Os cidadãos avaliam os vários itens considerados e o relatório de prestação de contas e autoavaliação. A avaliação dos cidadãos será divulgada publicamente, não será vinculativa e servirá como elemento adicional às escolhas dos partidos.

 

FRES – Fórum de Reflexão Económica e Social

Março de 2012