PPR público: um caso de degradação na confiança pública do Estado

24-07-2012 00:18

A incerteza no futuro da Segurança Social, a redução do nível de pensões e a evolução previsível do modelo Defined-Benefit para Defined-Contribution, expectável pela evolução da demografia e do emprego, e alguma liquidez, resultante da amortização total de um empréstimo à habitação, levaram-me, em outubro de 2009, a investir num Plano de Poupança-Reforma (PPR). 

Como relativamente ao risco, o Estado me merecia mais confiança do que o setor privado, não equacionei sequer a adesão aos PPR comercializados por bancos e seguradoras, e procurei o Regime Público de Capitalização - Certificados Públicos de Reforma, o chamado PPR do Estado, gerido pelo Instituto de Gestão de Fundos de Capitalização da Segurança Social, IP. Na opção privilegiei apenas o menor risco expectável (Estado) face à maior rendibilidade expectável (Bancos e Seguradoras).

Aquando da subscrição, e após análise da legislação que regulamentava o PPR do Estado, constatei das desvantagens do regime público face ao privado, designadamente a condição leonina que impossibilita, seja qual for pretexto, por exemplo desemprego prolongado ou doença grave, o resgate do dinheiro antes da idade de reforma, mesmo devolvendo os benefícios fiscais e sofrendo penalizações. Apesar disso, entendi que tal era contrabalançado pelo facto de aquela poupança ser impenhorável e sobretudo pelo aval seguro do Estado. Quanto à garantia de capital, e face a uma redação da lei que me parecia ambígua, foi-me sublinhado o caráter público do fundo como garantia de boa-fé. 

Aderi na modalidade máxima permitida, ou seja, com uma taxa contributiva correspondente a 4% do meu vencimento mensal bruto. Em fevereiro de 2011, face à redução salarial que sofri, efetuei a alteração da base de incidência mensal, constatando com surpresa que entre o valor que me foi sacado e o valor da minha posição no fundo existia um saldo negativo. 

A par do PPR do Estado, existem no mercado, no ramo Vida, mais de 70 produtos que visam constituir uma poupança a utilizar na velhice, em que todos garantem o capital e a maioria a rendibilidade positiva do valor investido. Naqueles em que existem valores apurados, a rendibilidade em 2010 só foi negativa num caso e na média dos últimos três foi sempre positiva. Assim, o PPR do Estado parece ter sido o único produto existente no mercado que entre finais de 2009 e o início de 2011, período em que aderi, não garantiu o capital e registou uma rendibilidade negativa. 

Estranhamente, o enquadramento normativo que regulamenta os PPR privados assegura a clareza da informação de risco do capital e da rendibilidade, e garante o reembolso antecipado e a transferência entre fundos, enquanto o seu equivalente para o PPR público não é claro quanto ao risco de perda do capital investido, não admite o reembolso antecipado, nem a transferência para outros fundos com idêntica finalidade. 

O PPR do Estado é recente, teve uma adesão limitada e os montantes individuais nele investidos são certamente, em média, pouco significativos. Imaginemos, porém, que o mesmo era antigo, de adesão maciça, e que os montantes individuais eram muito significativos. E que na velhice, os aderentes, após décadas de poupanças amealhadas e confiadas ao Estado, registavam perdas no capital depositado ou rendibilidades muito baixas? Este é um cenário hipotético, mas pode ser legalmente real...

 

Paulo J. S. Barata

 

Fórum de Reflexão Económica e Social (FRES)

 

Publicado:

 Vida Económica, 20 jul. 2012